terça-feira, 5 de abril de 2011

Mãe de Deus (Theotokos)


Mas, quando se cumpriu o tempo estabelecido, Deus enviou seu filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei. (Gálatas IV,4)

Quando se reuniu em 431, na cidade de Éfeso, a Igreja procurou estabelecer de uma vez por todas como deveria ser encarada a reunião das naturezas humana e divina em Cristo.  Havia um embate entre Nestório, Patriarca de Constantinopla, e São Cirilo, Patriarca de Alexandria sobre esta questão.  O primeiro propunha a separação completa da natureza humana da divina, em Jesus habitaria duas pessoas, a divina e a humana,  consequentemente Maria seria a mãe da pessoa humana e não da, divina.  Mas, a realidade é que as duas naturezas estão reunidas na pessoa de Jesus, ou seja, na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que é Deus.
Nestório, em virtude de sua teologia, negava o título de Mãe de Deus a Maria, acreditando que ela seria tão somente a mãe de Cristo, do mesmo modo como algumas pessoas o fazem nos dias de hoje.
Neste trabalho tentarei mostrar a correção deste título do ponto de vista das Sagradas Escrituras, do ponto de vista histórico e do ponto de vista lógico.
É sempre bom lembrar, o título de Mãe de Deus é atribuído a Maria, como forma de intensificar nosso conhecimento de que Jesus é verdadeiramente Deus.

Maria, Mãe de Deus – uma questão de lógica

Vamos a um exemplo:

Lula é presidente do Brasil
Jesus é Deus
Dona Lindu é mãe de Lula
Maria é mãe de Jesus
Dona Lindu é mãe do presidente do Brasil
Maria é mãe de Deus

Pensando em termos lógicos, a única maneira de negar que Maria é mãe de Deus é encontrar algum erro ou incompletude nas premissas.
Por certo, Cristo herdou de Maria a carne “semelhante ao pecado” e não a sua divindade, que é eterna.  Sabendo disso, há alguns que alegam que isso faz de Maria, mãe do Jesus-homem e não do Jesus-Deus.  Contudo, esta distinção nos faz cair em dois possíveis erros: Jesus é meio homem, meio Deus, como se fosse um mito grego ou romano qualquer; a outra é não reconhecer que a pessoa humana é composta de alma e carne, a Dona Lindu, assim como Maria, deu a carne aos seus respectivos filhos, mas não deram a alma, que vem de Deus, todavia ninguém diria que Dona Lindu é somente mãe da carne de Lula, então porque dizemos que Maria somente é mãe da carne de Jesus.  Maria é mãe da pessoa de Jesus, assim como, Dona Lindu é mãe da pessoa do Lula e como pessoa, em Jesus estão reunidas as naturezas humana e a divina.
Assim, filosoficamente, não podemos negar que Maria é a Mãe de Deus.

Período Patrístico

Há quem alegue que o título de Mãe de Deus a Maria foi dado somente no Concílio de Éfeso, no ano de 431, contudo quem assim o faz nega a verdade histórica, vejamos.
Sob a vossa proteção procuramos refúgio, santa Mãe de Deus: não desprezeis as nossas súplicas, pois estamos sendo provados, mas livrai-nos de todo o perigo, ó Virgem gloriosa e bendita (Oração Egípcia, século II)
Alexandre de Alexandria (?,326), mais de cem anos antes do Concílio.
[Jesus] não teve apenas aparência, mas tinha carne de verdade recebida de Maria, mãe de Deus (Epístola a Alexandre de Constantinopla 12, grifo nosso)
Atanásio de Alexandria (295?,373) foi Patriarca de Alexandria e um defensor na fé trinitária, indispensável ao verdadeiro cristão, morreu 58 anos antes do Concílio.
A Sagrada Escritura, como tantas vezes fizemos notar, tem por finalidade e característica afirmar de Cristo Salvador estas duas coisas: que Ele é Deus e nunca deixou de O ser, visto que é Palavra do Pai, seu esplendor e sabedoria; e também que nestes últimos tempos, por causa de nós, se fez homem, assumindo um corpo da Virgem Maria, Mãe de Deus. (Da Trindade, grifo nosso)
Houve muitos que já nasceram santos e livres do pecado: Jeremias foi santificado desde o seio materno; também João, antes de ser dado à luz, exultou de alegria ao ouvir a voz de Maria, Mãe de Deus. (Da Trindade, grifo nosso)

Ambrósio de Milão (340-397), bispo de Milão, um dos grandes doutores da Igreja e que também combateu vigorosamente o pensamento anti-trinitário.  Ambrósio está separado do Concílio de Éfeso em 34 anos.
Dissemos que José era um varão justo, dando-nos o evangelista a entender que ele não se atreveria a profanar o templo do Espírito Santo: o ventre do mistério, o corpo da Mãe de Deus. (Comentário sobre o Evangelho de Lucas)
Que há de mais excelente do que a Mãe de Deus? (De Virginibus 2,2,7, grifo nosso)

João Crisóstomo (349-407). Patriarca de Constantinopla, grande doutor da Igreja, morreu 24 anos antes do Concílio.
Ó Filho único e Verbo de Deus: sendo imortal, vos dignaste, pela nossa salvação, encarnar-vos da Santa Mãe de Deus e sempre virgem Maria[...]. (O Monoghenis, grifo nosso)

Para não enfadar o leitor paramos aqui, rogando para que estes tão singelos extratos tenham sido suficientes para que se tenha entendido que o título de Mãe de Deus é muito anterior ao Concílio de Éfeso.

Até o momento provamos, assim espero, que a lógica permite que chamemos Maria de Mãe de Deus e historicamente, bem antes do Concílio de Éfeso, este título já era dado a Maria.  Nos próximos itens iremos fornecer argumentos de que além da Sagrada Tradição, também as Sagradas Escrituras nos apontam para esta verdade. 
Que o Espírito Santo possa nos guiar!

Mãe do Senhor

Nos tempos de Jesus, assim como ainda é para os judeus, o nome de Deus era impronunciável, assim é que hoje não se sabe como o nome de IHWH era dito pelos judeus naquela época.  A versão grega Septuaginta da Bíblia substituiu o tetragrama IHWH, por SENHOR, Kyrios[1], em grego.  Assim, Maria é a mãe de Deus, pois Isabel cheia do Espírito Santo declara:
Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?(Lucas, I, 43).

Santa Isabel, cheia do Espírito Santo e exultando de alegria por estar na presença da mãe do Senhor, continua:
Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas! (Lucas I, 45)

Se analisarmos o texto do Magnificat não há dúvida de que estas santas mulheres fazem intercambio dos termos Senhor e Deus.  Portanto, quando Santa Isabel chama Maria de mãe do Senhor, ela a está chamando de mãe de Deus.

Anunciação

A seguir reproduzimos uma passagem marcante para todo o cristão, a Anunciação do Anjo a Maria:
Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação. O anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim. Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço homem? Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus. (Lucas I, 28-35)

Esta passagem é muito interessante em diversos aspectos para o estudo de qual o papel de Maria na obra da redenção, senão vejamos.
Alguns não acreditam no Dogma da Imaculada Conceição, pois acham que Maria foi liberta do pecado somente quando “o poder do altíssimo” a envolveu, mas reparem os leitores que o anjo chamou Maria de cheia de graça e falou que ela encontrou graça diante do Senhor antes do Fiat, portanto ela foi santificada em algum momento anterior ao seu “faça-se”...
Fica patente que o filho de Maria será rei, pois “reinará eternamente na casa de Jacó”, e como os reis da casa de Davi, Judá, tiveram a sua rainha-mãe, Jesus também deveria o ter, por isso a Igreja Católica afirma que Maria é rainha, da forma que este título é entendido nas Sagradas Escrituras, ou seja, que a rainha é submissa ao rei, mas que pode suplicar a Ele e interceder pelos seus súditos (cf. João II)
O anjo diz que Maria conceberá, ou seja, que ela terá parte ativa na concepção de Jesus, afirma ainda que o filho de Maria será “grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo” e que pela concepção miraculosa através do poder do Espírito Santo, o “ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus”.
Meus caros leitores, está claro que Jesus é em todo Filho de Deus, na sua natureza humana e na sua natureza divina, não havendo problemas em proclamar Maria como Mãe de Deus.

Epístola aos Gálatas

Lucas era discípulo de Paulo e seus escritos se alinham com o que foi proclamado pelo apóstolo.  A mesma ideia contida no Evangelho está nesta Epístola, vejamos.
A Epístola aos Gálatas é uma carta de São Paulo redigida entre 55-60 d.C., principalmente, para combater os chamados judaizantes, que ainda estavam presos ao passado, à velha aliança.  Fica tão premente este aspecto que Paulo inclusive combate o comportamento de São Pedro, líder da Igreja.
Para nosso estudo, em particular, interessa um versículo:
Mas, quando se cumpriu o tempo estabelecido, Deus enviou seu filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei. (Gálatas IV,4)

O centro de nossa argumentação está na frase nascido de uma mulher.  Ora, São Paulo afirma que o filho de Deus nasceu de uma mulher, ora esta mulher é Maria, logo Maria é mãe do filho de Deus.
Por isso está escrito no Credo Apostólico:
Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, criador do céu e da Terra e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor.  Nasceu da Virgem Maria [...].
Assim, o filho único de Deus, o seu unigênito, ou seja, o Deus-Filho, que é nosso Senhor, nasceu da Virgem Maria.
Voltemos a São Paulo.  Ele é bem específico, o filho de Deus nasceu de uma mulher.  Quando dizemos que A nasceu de B, temos a obrigação de dizer que B é mãe de A. Como em um processo de substituição em uma equação, na argumentação acima vamos substituir A por Deus e B por Maria.  Então, quando dizemos que Deus nasceu de Maria, temos a obrigação de dizer que Maria é mãe de Deus.

Para não reconhecer a conclusão acima, é necessário que o leitor não creia que Jesus, mesmo sendo o filho único de Deus, não é Deus.  É necessário, para tal, não crer na Palavra de Deus, não crer na Santíssima Trindade.

Emanuel

Mateus, em seu Evangelho, cita Isaías VII, 14:
Eis que a Virgem conceberá e dará a luz a um filho e o chamarão com o nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco. (Mateus I,23)
O arcanjo Gabriel diz que o nome do filho da Virgem será Emanuel.  Maria, então, é mãe de Emanuel.  O próprio evangelista traduz o termo Emanuel, cujo significado é Deus está conosco.  Logo Maria é mãe de “Deus está conosco”.

Conclusão

Como está escrito no Catecismo Católico temos que reconhecer que:

Maria é verdadeiramente "Mãe de Deus", visto ser a Mãe do Filho Eterno de Deus feito homem, que é ele mesmo Deus. (CIC, 509)

Todos os méritos de Maria são oriundos da graça particular dada por Deus a ela, em virtude de quem ela mereceu ser mãe, por isso Maria também foi salva por Jesus Cristo, mas de uma maneira mais sublime, desde o nascimento dela...
Encerramos este pequeno estudo com as palavras de São Cirilo de Alexandria:
Causa-me profunda admiração haver alguns que duvidam em dar à Virgem Santíssima o título de Mãe de Deus, realmente, se Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus, por que motivo não pode ser chamada Mãe de Deus a Virgem Santíssima que o gerou?  Essa verdade foi-nos transmitida pelos discípulos do Senhor, embora não usassem esta expressão [...]. (Maria, Mãe de Deus)
Salve, ó Maria, Mãe de Deus, virgem e mãe, estrela e vaso de eleição! [...] Salve, Maria, mãe de Deus, aclamada pelos profetas, bendita pelos pastores, quando com os anjos cantaram o sublime hino de Belém: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade" (Lucas II,14). Salve, Maria, Mãe de Deus, alegria dos anjos, júbilo dos arcanjos que te glorificam no céu! Salve, Maria, Mãe de Deus: por ti adoraram a Cristo os Magos guiados pela estrela do Oriente; salve, Maria, Mãe de Deus, honra dos apóstolos! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem João Batista, ainda no seio de sua mãe exultou de alegria, adorando como luzeiro a perene luz! Salve, Maria, Mãe de Deus, que trouxeste ao mundo graça inefável, da qual diz são Paulo: "apareceu a todos os homens a graça de Deus salvador" (Tito II,1). Salve, Maria, Mãe de Deus, que fizeste brilhar no mundo aquele que é luz verdadeira, a Nosso Senhor Jesus Cristo, que diz em seu Evangelho: "eu sou a luz do mundo!" (João VIII,12). Deus te salve, Mãe de Deus, que iluminaste aos que estavam em trevas e sombras de morte; porque o povo que jazia nas trevas viu uma grande luz (Isaías IX, 2), uma luz não outra senão Jesus Cristo, Nosso Senhor, luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo (João I,9). Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem se apregoa nos Evangelhos: "bendito o que vem em nome do Senhor!" (Mateus XXI,9), por quem se encheram de igrejas nossas cidades, campos e vilas ortodoxas! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o vencedor da morte e o destruidor do inferno! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o autor da criação e o restaurador das criaturas, o Rei dos céus! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem floresceu e refulgiu o brilho da ressurreição! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem luziu o sublime batismo de santidade no Jordão! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem o Jordão e o Batista foram santificados e o demônio foi destronado! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem é salvo todo espírito fiel! Salve, Maria, Mãe de Deus, - pois acalmaste e serenaste os mares para que pudessem nossos irmãos cooperadores e pais e defensores da fé, serem conduzidos, com alegria e júbilo espiritual, a esta assembleia de entusiásticos defensores de tua honra! (Discurso no Concílio de Éfeso)


[1] Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/2042. Acessado em 9 de fevereiro de 2010.

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