quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Fé x Obras

INTRODUÇÃO



Existem muitos temas controversos no mundo cristão, as diversas confissões têm respostas diferentes para mesmas passagens da Bíblia Sagrada, o que contradiz os ensinamentos de Cristo:

[...] Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja. Todavia, são numerosas as Comunhões cristãs que se apresentam aos homens como a verdadeira herança de Jesus Cristo. Todos, na verdade, se professam discípulos do Senhor, mas têm pareceres diversos e caminham por rumos diferentes, como se o próprio Cristo estivesse dividido. Esta divisão, porém, contradiz abertamente a vontade de Cristo, e é escândalo para o mundo, como também prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a toda a criatura. (Unitatis Redintegratio – Concílio Vaticano II).



Conforme professam as diversas confissões, a Sagrada Escritura não pode ter duplas interpretações e esta divisão somente corrobora com os argumentos não cristãos e causam escândalo, nos tornando divididos, facilitando o trabalho do inimigo, do acusador, do diabo.

[...] Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco, em que o Filho unigênito de Deus foi enviado ao mundo pelo Pai a fim de que, feito homem, desse nova vida pela Redenção a todo o gênero humano e o unificasse. Antes de se imolar no altar da cruz como hóstia imaculada, rogou ao Pai pelos que crêem, dizendo: «Para que todos sejam um, como tu, Pai, em mim e eu em ti; para que sejam um em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste» (Jo. 17,21). [...]. (Unitatis Redintegratio – Concílio Vaticano II).



O tema a ser tratado neste artigo apesar de estar bem fundamentado nas Sagradas Escrituras é alvo de intensos debates entre as diversas confissões.

Trata-se da Fé e das Obras.

Antes de começar, para a orientação do leitor, de como se dará este estudo, forneço uma sentença dada por São Tiago, inspirado pelo Espírito Santo:

Assim também a fé, se não tiver obras está morta. (São Tiago 2,17)


Neste versículo está alicerçada a interpretação correta da doutrina da Salvação.

O catecismo católico define a graça como sendo o “favor, o socorro gratuito que Deus nos dá para responder a seu convite: tomar-nos filhos de Deus, filhos adotivos participantes da natureza divina, da Vida Eterna”. (CIC, 1996)

Deus forneceu a graça a todos, quando deu seu próprio filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor, para morrer por nós na cruz. Conforme, São Paulo nos diz esta graça não vem de nós, mas é dom de Deus, isto para que nenhum homem pudesse se glorificar. A esta graça somos agregados mediante a fé em Jesus Cristo e nAquele que O ressuscitou, mas para nos mantermos nesta graça, precisamos praticar e não apenas sermos ouvintes, ou seja, precisamos ter as obras, uma vez que sem estas obras a fé está morta.

São Tomás de Aquino, em seu sermão sobre o credo, nos diz que:

[...] 1 – o primeiro bem para o cristão é a fé. Sem a fé ninguém pode ser chamado de fiel cristão. 2 - [...] pela fé realiza-se uma espécie de matrimônio entre a alma e Deus [...] 3 – [...] pela fé é iniciada em nós a vida eterna. [...] 4 – A vida presente é orientada pela fé[...] a fé ensina todos os princípios do bem viver. Ora, ela ensina que há um só Deus, que recompensa os bons e pune os maus, que existe outra vida [...].(Sermão sobre o Credo, São Tomás de Aquino)

Assim, a fé é o primeiro bem, pelo qual nós aderimos à graça santificante de Deus e nos impele às boas obras para nos mantermos aderente à graça.



Jesus Cristo



Antes de entrarmos no suposto embate entre os escritos de São Paulo e a epístola católica de São Tiago, vamos invocar a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo para vermos se em suas pregações houve menção às boas obras.

Vamos começar a argumentação com a seguinte passagem, talvez já seja suficiente para encerrarmos os embates:

Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai com seus anjos, e então recompensará a cada um segundo suas obras. (São Mateus 16,27)

Em muitas outras passagens, Jesus nos diz da necessidade das obras, contudo vou recorrer ao capítulo 10, do Evangelho de São Marcos, na qual encontramos a famosa passagem do jovem rico.

Este jovem sincero e temente a Deus pergunta a Jesus: Bom Mestre, que farei para alcançar a vida eterna?

Jesus responde: Conheces os mandamentos: não mates; não cometas adultério; não furtes; não digas falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe.

Ora, os mandamentos são obras que nós devemos fazer, com a nossa livre vontade. Nosso Senhor explica que estas obras são em parte responsáveis pela condução do jovem à vida eterna.

O jovem já animado revela: Mestre, tudo isto tenho observado desde a minha mocidade.

Mas, Jesus quer ensinar que é preciso algo mais, é preciso excelência, então com a sua profunda caridade ensina: Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.

Assim, se o jovem obedecer a Jesus (ter fé) e der os bens aos pobres (obra), terá um tesouro no céu. Jesus queria mostrar que estas obras necessárias à salvação, somente terão valor se você O obedecer e O seguir. Infelizmente, o jovem muito apegado aos seus bens materiais, não seguiu a Jesus.

Continuando, agora com seus discípulos que estavam sentindo-se inseguros, perguntando quem poderá salvar-se, Jesus é cabal: Aos homens isto é impossível, mas não a Deus; pois a Deus tudo é possível.

Ora, esta é exatamente a ideia que devemos ter: nossa salvação vem de Deus, pois para os homens é impossível, mas para garantir a vida eterna teremos que dar mostras de nossa fé, praticando as boas obras, uma vez que a santificação é gradual.

Encerrando este pequeno estudo sobre os ensinamentos de Jesus Cristo, considerando, ainda o Evangelho segundo São Marcos, temos a seguinte passagem:

Quem crê e for batizado será salvo, mas quem não crê não será salvo. (São Marcos 16,16)


Esta é uma passagem muito interessante, no que diz respeito à questão da fé e das obras. Nosso Senhor Jesus Cristo fala-nos que a fé (crê) e as obras (neste caso o batismo) são requisitos para a salvação. Mas, podemos entender que a obra somente se tornou meritória após a crença. Por isso, na segunda parte mesmo aquele que tiver obras, mas não tiver fé, a crença, não será salvo. Então, para se salvar é preciso ter fé e obras, mas para se perder basta não ter fé.



São Paulo x São Tiago



Uma das objeções que os não cristãos têm contra nós está no presumido embate entre estes dois apóstolos, contudo este embate é falacioso, uma vez que as obras mencionadas por ambos são de natureza distintas.

São Paulo, enviado aos gentios por Jesus Cristo e confirmado pela imposição das mãos dos apóstolos São Pedro, São João e São Tiago está preocupado com a adesão dos gentios à graça e por isso não quer que os mesmos sejam obrigados a participar da Antiga Aliança, que estava vencida pelo poder mediador do sangue de Cristo, que selou a Nova. Por isso, sempre aludia àquelas obras judaizantes.

Ele entendeu desde cedo que para aquelas obras existiam novas, que tinham um caráter mais espiritual do que material, ou seja, para a circuncisão, Jesus instituiu o batismo; para os sacrifícios, Jesus instituiu a Eucaristia...

Não havia mais necessidade de submeter àquelas obras antigas.

Assim, as obras a que se refere São Paulo, quando cita que não são necessárias, são as obras da lei. Mas, ele continua a mostrar que as boas obras são necessárias à salvação:

Mas, pela tua obstinação e coração impenitente, vais acumulando ira contra ti, para o dia da cólera e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras: a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, buscam a glória, a honra e a imortalidade; mas ira e indignação aos contumazes, rebeldes à verdade e seguidores do mal. Tribulação e angústia sobrevirão a todo aquele que pratica o mal, primeiro ao judeu e depois ao grego; mas glória, honra e paz a todo o que faz o bem, primeiro ao judeu e depois ao grego. Porque, diante de Deus, não há distinção de pessoas. Todos os que sem a lei pecaram, sem aplicação da lei perecerão; e quantos pecaram sob o regime da lei, pela lei serão julgados. Porque diante de Deus não são justos os que ouvem a lei, mas serão tidos por justos os que praticam a lei. (Romanos 2,5-13, grifos nossos)

São Paulo sabe que as boas obras cooperam para a salvação, mas somente estando nós sob a graça de Deus, mediante a fé em nosso único e suficiente salvador Jesus Cristo.

São Tiago, “irmão do Senhor” e bispo de Jerusalém, por seu turno, apesar de ser aquele apóstolo que mais se identificava com o judaísmo, em sua epístola católica nos fala das boas obras, das obras da fé, necessárias à nossa salvação, pois nos mantêm sob o poder da graça de Deus Pai. Com efeito, São Tiago não poderia ser mais claro:

Desta forma, “Vedes como o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé? Do mesmo modo Raab, a meretriz, não foi ela justificada pelas obras, por ter recebido os mensageiros e os ter feito sair por outro caminho? Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta". (São Tiago 2, 24-26, grifo nosso).

De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso esta fé poderá salvá-lo?" (São Tiago 2,14, grifo nosso).


Podemos concluir que São Paulo nos fala que as obras são desnecessárias para o ingresso na graça de Deus, contudo São Tiago nos fala das obras que são necessárias à manutenção do homem sob a graça de Deus. Pois, Deus quando nos salva espera que passemos a fazer as obras da luz.

Portanto, não há, nem poderia haver contradição entre São Paulo e São Tiago.



Tradição Apostólica



A seguir dedicamos a atenção à Tradição Apostólica, contudo nos restringimos somente aos pais que viveram dos séculos I ao III, por estarem mais próximos dos tempos apostólicos.

Santo Inácio (35? – 110?), bispo de Antioquia, comunidade fundada por São Pedro.

Conhece-se a árvore pelos seus frutos, assim os que professam ser de Cristo serão reconhecidos pelas obras. Pois nesta hora não é de profissão de fé que se trata, mas de nos mantermos na prática da fé até ao fim. (Carta aos Efésios)

São Policarpo (69 - 155), bispo de Esmirra, discípulo de São João.

Quando puderem fazer o bem, não o posterguem, pois "a esmola livra da morte". Todos vocês estão submetidos uns aos outros tendo uma conduta justa entre os gentios, para que vocês recebam em dobro a recompensa de suas boas obras, e para que o Senhor não seja blasfemado por causa de vocês. (Carta aos Filipenses)

Estes dois pais viveram a época apostólica, tendo contato com os Apóstolos em pessoa. Alguns documentos dão conta de que Santo Inácio teria sido uma das crianças que estiveram no colo de Jesus.


Santo Irineu (130 - 202).

Porém, para que serve conhecer a verdade da Palavra se se profana o corpo e se realizam ações deploráveis? De que serve a santidade do corpo se a verdade não habita na alma? Ambas, pois, se alegram de estarem juntas; estão aliadas e lutam constantemente para levar o homem à presença de Deus. (Santo Irineu, Demonstração da Pregação Apostólica)

Esta é, meu querido amigo, a pregação da verdade e a imagem da nossa salvação: assim é o caminho da vida, que os profetas anunciaram, o que Cristo instituiu, que os apóstolos consignaram e que a Igreja transmite aos seus filhos, através de toda a terra. Deve ser custodiado com amor e com vontade decidida, para agradar a Deus com as boas obras e com um modo puro de pensar. (Demonstração da Pregação Apostólica)


Justino Mártir (100 - 165)

Aqueles, porém, que se vê que não vivem como ele ensinou, sejam declarados como não cristãos, por mais que repitam com a língua os ensinamentos de Cristo, pois ele disse que se salvariam, não os que apenas falassem, mas que também praticassem as obras. De fato, ele disse "Não todo aquele que me diz: "Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Porque aquele que me ouve e faz o que eu digo, ouve aquele que me enviou. Muitos me dirão: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que comemos, bebemos e fizemos prodígios?’ Então eu lhes responderei: -‘Apartai-vos de mim, operadores de iniqüidade. Então haverá choro e ranger de dentes, quando os justos brilharem como o sol e os injustos forem mandados para o fogo eterno. Porque muitos virão em meu nome, vestidos por fora com peles de ovelha, mas por dentro são lobos roubadores. Por suas obras os conhecereis. Toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo". Aqueles que não vivem conforme os ensinamentos de Cristo e são cristãos apenas de nome, nós somos os primeiros a vos pedir que sejam castigados.


Em todos estes testemunhos, vemos que a fé anda lado a lado com as obras, conforme os ensinamentos do Novo Testamento.



São Tomás de Aquino


Falaremos um pouco sobre São Tomás de Aquino, um dos grandes gênios da humanidade, uma vez que ele é uma das bases da teologia católica atual, sendo o segundo teólogo mais citado pelo Catecismo Católico.

São Tomás de Aquino nasceu em 1225, em Roccasecca, e morreu em 1274, em Fossanova, ambas na Itália.

Vamos analisar de maneira sucinta, algumas afirmações de São Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, que reconhecidamente é a base para a doutrina católica em diversas áreas. Devemos notar que a Suma Teológica foi escrita no ano de 1273, muito anterior ao Cisma do Ocidente.

A graça é imprescindível para a salvação, sendo o efeito do amor (ágape) de Deus.

Romanos 3,24: Foram justificados gratuitamente por sua graça. O homem que peca ofende a Deus. Mas para que uma ofensa seja perdoada é necessário que o ânimo do ofendido se apazigue com respeito à culpa. E assim dizemos que nossos pecados são perdoados quando Deus se apazigua de nós. Pois bem, esta paz consiste no amor que Deus tem por nós. E este amor, em quanto ato divino, é eterno e imutável; mas enquanto o efeito que produz em nós é susceptível de interrupção, posto que às vezes o perdemos e logo o recobramos. O efeito que o amor divino produz em nós, e que o pecado destrói, é a graça, que nos faz dignos da vida eterna, cujas portas nos fecha o pecado mortal. Em consequência, é impossível entender a remissão da culpa sem a infusão da graça. (questão 113, artigo 2)


A graça não nos é dada por nossos méritos

[...] É, pois, manifesto que ninguém pode merecer por si próprio a primeira graça. (questão 114, artigo 5)

Comparando a justificação do pecador com o movimento de um objeto qualquer, São Tomás enumera quatro elementos necessários para a salvação: a infusão da graça; movimento para Deus; movimento contra o pecado e; a remissão do pecado. Assim, a nossa justificação somente estará consumada quando estivermos sem pecado.

Quatro são os elementos que se enumeram como necessários para a justificação do pecador, a saber: a infusão da graça, o movimento do livre arbítrio para Deus pela fé, o movimento do mesmo livre arbítrio contra o pecado e a remissão da culpa. A razão é que [...] a justificação é um movimento no qual a alma é movida por Deus do estado de culpa ao estado de justiça. Mas, em qualquer movimento em que um sujeito se move por um impulso exterior se requer três elementos: primeiro, o impulso motor; segundo, o movimento do móvel; terceiro, a consumação do movimento, ou seja, a chegada ao término. Em nosso caso, o impulso divino consiste na infusão da graça; o movimento do livre arbítrio, que é duplo, consiste em que se distancie do ponto de partida e se aproxima da chegada; a consumação, isto é, o acesso ao término de este movimento, se encontra na remição da culpa, pois com isto se consuma a justificação. (questão 113, artigo 6)

O movimento do livre arbítrio contra o pecado se dá pelas boas obras, o que está coerente com os escritos de São Paulo e de São Tiago. Para a adesão à graça, necessita-se da fé, não sendo necessárias obras, contudo para a manutenção e consumação da fé necessitamos das chamadas obras meritórias.

[...] A natureza do homem pode ser considerada em um duplo estado: o da integridade, que é o estado dos nosso primeiro pai (Adão) antes do pecado; e o de corrupção, que é o nosso depois do pecado original. Pois bem, em ambos estados a natureza humana necessita para fazer ou querer o bem, de qualquer ordem que seja do auxílio de Deus como primeiro motor. [...] Em ambos os estados necessita o homem um auxílio divino que lhe impulsione o bem obrar. (questão 109, artigo 2)


E nem podemos praticar todo o bem para o qual nós fomos criados, nem nos levantar do estado de pecado e nem evitar o pecado se não formos guiados por Deus.


Disse o apóstolo em Gálatas 2,21: Se a justificação se pode conseguir pela lei, Cristo morreu em vão, ou seja, sem necessidade. [...] se o homem tem uma natureza que por si mesma pode alcançar a justiça, também Cristo morreu em vão. Mas, esta conclusão é inadmissível. Logo, o homem não pode se justificar por si mesmo, ou seja, não pode sair do estado de culpa para o estado de justiça. [...] O homem não pode de modo algum levantar-se do pecado sem o auxílio da graça. (questão 109, artigo 7)

[...] O homem, com seus recursos naturais, não pode produzir obras meritórias para a vida eterna. Para isto necessita uma força superior, que é a força da graça. Sem a graça, pois, não pode o homem merecer a vida eterna, ainda que possa realizar ações que conduzam a algum bem, como trabalhar no campo, beber, comer, cultivar a amizade e coisas semelhantes [...] (questão 109, artigo 5)

[...] No estado de natureza corrompida, para evitar o pecado, o homem necessita da graça, que venha a restaurar a natureza. Contudo esta restauração, durante a vida presente, se realiza sobretudo na mente, sem que o apetite carnal seja retificado por completo. Assim, São Paulo, assumindo a representação do homem reparado, diz em Romanos 7,25: Eu mesmo, com o espírito, sirvo a lei de Deus, mas com a carne, a lei do pecado. Deste modo, neste estado, o homem pode evitar o pecado mortal, que reside na razão; mas não pode evitar todo pecado venial, devido a corrupção do apetite inferior da sensualidade, cujos movimentos podem ser reprimidos pela razão uma a um, mas não todos eles [...] a razão não pode se manter sempre vigilante para mantermos afastados de todo pecado. (questão 109, artigo 8)

É importante notar que São Tomás dava muito valor ao aspecto mental da santificação. Ele sabe que a infusão da graça nos permite mudar a nossa mente para evitarmos o pecado, contudo sabe que nosso espírito, nossa razão está presa ao nosso corpo que é corruptível, sendo nesta vida impossível para qualquer homem estar livre completamente do erro, somente na beatitude, na vida eterna é que estaremos completamente justificados. Enquanto estivermos na Terra precisamos da graça para nos manter livre de cair no pecado.

Desta forma, São Tomás, e com isso a doutrina católica, é bem claro sobre a necessidade da Graça, sem a qual não podemos ser justificados, contudo nos mostra as necessidades das obras, que somente são meritórias, após a adesão à graça.



Figura: A Escola da Graça



Para ilustrar como se dá a salvação e qual o papel da graça, da fé e das obras, eu proponho uma ilustração: A Escola da Graça.


A Escola da Graça está disponível a todos, foi idealizada e construída por Deus Javé. Como criador, Javé quer que todos entrem para esta escola. Por isso, Ele enviou seu filho Jesus Cristo em pessoa para fazer o marketing da escola. E esse mesmo Jesus é também professor.

Para entrar nesta escola, há dois requisitos, a fé em Jesus Cristo e o batismo. A fé é a inscrição na escola e o batismo, a matrícula, logo sem a matrícula é impossível garantir que o aluno tenha sido admitido.

Da mesma forma que a entrada na escola é facultativa a cada aluno, também a permanência deve ser facultada. O aluno pode sair da escola a qualquer momento e a qualquer momento pode retornar. Javé nunca expulsa um aluno, o aluno que por sua vontade livre pede para sair.

Os alunos que entram nesta escola, logo percebem que Javé instituiu um diretor muito exigente e muito atuante, pois também é professor, o Espírito Santo. Para cumprir tudo o que Javé decidiu sobre a escola, o Espírito Santo escreveu um impressionante livro didático, as Sagradas Escrituras, que é a Palavra de Deus escrita.

A escola da Graça também tem outro nome, Igreja, ou seja, todos os que estão na Graça estão também na Igreja, sendo impossível fora da Igreja, os alunos se formarem. Como toda escola, o diretor nomeia alguns monitores, alunos que estão em um grau avançado, para prestarem serviço são os Bispos, os Presbíteros e os Diáconos.

Os alunos podem falar diretamente com o instrutor e com o diretor através da oração, que é uma forma de diálogo, já que a escola possui mensageiros para levar diretamente ao diretor e aos professores as mensagens, são os anjos e aqueles alunos que já se formaram, os santos. Estes mensageiros também trazem as mensagens do criador e dos professores.

Nesta escola há uma mulher que foi a melhor aluna de todos os tempos e que por isso recebeu o título “Cheia de Graça”. Ela foi instruída diretamente por Javé e já nasceu sabendo tudo que poderia saber sobre a escola. Por isso, aceitou receber a incumbência de ser esposa do diretor e mãe do professor Jesus Cristo, uma vez que acreditou em tudo que Javé havia lhe ensinado sobre a mensagem do seu Cristo.

O aprendizado nesta escola é lento e gradual, mas perfeito e contínuo. Os alunos para passarem de ano, e chegarem cada vez mais próximos da formatura, precisam passar por provas e realizar trabalhos. Estas provas são as tribulações e os trabalhos que compõem as notas são as boas obras.

As aulas podem ser individuas ou coletivas (missa, culto, reunião, assembleia). Nas aulas coletivas, estão presentes o criador, seu filho e o diretor ministrando, embora visivelmente quem presidida seja um dos monitores. Nas aulas coletivas, somos instruídos com leituras do livro didático e a hora do recreio, o ponto máximo das aulas coletivas, comemos e bebemos o alimento que nos fortalece para as provas e para os trabalhos, a eucaristia, em que o pão e o vinho são transubstanciados no professor Jesus.

No final deste aprendizado, o próprio criador Javé vem julgar aluno por aluno e mostra que tem um livro anotado com cada mérito e cada demérito dos estudantes. Ele é tão zeloso e preocupado que julga também aqueles que não quiseram entrar na escola ou que saíram dela. Mas, neste momento o filho do criador, Jesus Cristo, se reveste da toga de advogado para nos ajudar. Neste livro, estão as notas de todas as provas e de todos os trabalhos que os alunos fizeram e por elas, os alunos serão julgados.

Assim, ele distribui o diploma para cada um:

• Aqueles que não aderiram à escola ou saíram dela, devem ir para uma escola inferior, uma escola que somente possui sofrimentos e dor, a Escola Inferno, em que o aluno nunca se forma;

• Os alunos que chegaram ao fim do último ano são julgados por suas notas:

o Uns são chamados a irem de viagem para uma cidade banhada com ouro e pedras preciosas, para o convívio com o professor Jesus, a cidade de Jerusalém Celeste. Mas, não serão mais seus alunos, serão seus amigos;

o Outros apesar de terem fé no professor Cristo, tiveram nota abaixo da média, mas são alunos perseverantes, que fizeram os trabalhos, passaram pelas provas, para estes há ainda a chance da recuperação, o purgatório, mas Javé explica que eles irão também para aquela cidade, somente demorarão um pouco mais. Para apressar esta saída, o diretor permite que os estudantes em um grau inferior possam ajudar, orando e clamando pela saída dos seus amigos da recuperação.

Depois de todos formados, os alunos podem ver que na verdade o criador, o diretor e o advogado são três e iguais, contemplamos a Santíssima e Augustíssima Trindade.



Conclusão


É importante frisar que a controvérsia entre o entendimento da importância da Fé e das Obras se dá tão somente no campo teológico, uma vez que todas as confissões cristãs incentivam as boas obras, mesmo aquelas que não acreditam que elas sejam necessárias à salvação. Mas, devemos lembrar que as contendas entre os cristãos é causa de escândalo e prejudica a pregação universal e consequentemente a vinda de Jesus Cristo.

Claro é que não podemos nos erguer ou reerguer do pecado, senão pela ajuda divina, conforme as palavras de Santo Agostinho:

Mas é verdade que o homem que cai por si mesmo não pode igualmente se reerguer por si mesmo, tão espontaneamente. É porque, do céu, Deus nos estende sua mão direita, isto é, nosso Senhor Jesus Cristo. Peguemos essa mão, com fé firme, esperemos sua ajuda com esperança confiante e desejemo-la com ardente caridade. (O Livre Arbítrio)

Mais ainda, somente ao aderirmos à graça, mediante a fé, adquirimos a verdadeira liberdade, somente a partir desta adesão é que nossa vontade fica realmente livre para escolher entre o pecado e a virtude:

Eis que consiste a nossa liberdade: estarmos submetidos a essa Verdade. É ela o nosso Deus mesmo, o qual nos liberta da morte, isto é, da condição de pecado. Pois a própria Verdade que se fez homem, conversando com os homens, disse àqueles que nela acreditavam: “Se permanecerdes na minha palavra sereis, em verdade, meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,31.32).[...] (Santo Agostinho, O Livre Arbítrio)

É mister saber que a necessidade de obras não pode servir de argumento para arrecadação financeira, porque como São Tiago nos diz:

A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo. (São Tiago 1,27)

Contudo, para que o mundo creia que Jesus foi enviado pelo Deus-Pai, é preciso que sejamos um, assim como Jesus é um com o Pai.

Santifico-me por eles para que também eles sejam santificados pela verdade. Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um: eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim. (São João 6, 19-23)

Conforme, Santo Inácio exortou aos cristãos de Éfeso e que serve de mensagem ao mundo cristão atual:

[...] cantais em uníssono por Jesus ao Pai, a fim de que vos escute e reconheça pelas vossas boas obras, que sois membros de seu Filho.[...]

Mas também pelos demais homens, rezai sem cessar. Pois neles existe esperança de conversão, de chegarem a Deus. Permiti-lhes que se instruam junto a vós por vossas obras.

Assim, nossa união e nossas obras servem de catequese para aqueles que não creem.

Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus. (São Mateus 5,16)

Muitos cristãos ao serem perguntados por que acham que gozarão da presença de Deus, respondem simplesmente que por serem boas pessoas, por fazerem caridade, por praticarem o bem enfim, conforme o jovem rico. Entretanto, somente irão para o céu aqueles que têm fé em Jesus Cristo, O confessam e que pratiquem as boas obras:

[...] Só o fato de nos encontrarmos em Cristo Jesus nos garantirá entrada para a vida verdadeira [...] (Santo Inácio, Carta aos Efésios)

O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela viver, mas também professá-la, testemunhá-la com firmeza e difundi-la: "Todos devem estar prontos a confessar Cristo perante os homens e segui-lo no caminho da Cruz, entre perseguições que nunca faltam à Igreja. O serviço e o testemunho da fé são requisitos da salvação: "Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu Pai que está nos céus" (Mt 10,32-33). (Catecismo da Igreja Católica CIC, 1816)


Lemos nas Sagradas Escrituras que os demônios têm fé e até mesmo confessam Jesus como filho do Deus Vivo, mas aos demônios falta o que todo crente possui, as boas obras.


Não pode haver confusão: somos salvos pela graça de Deus; adquirimos esta graça mediante a fé em Jesus Cristo e; mantemos esta graça pela ação direta e permitida do Espírito Santo, que nos impele às boas obras, para que no dia do Juízo de Deus possamos ter a vida eterna.


Deste modo, para a Salvação, de nós pobres criaturas, coopera a Santíssima Trindade.

Deus sapientíssimo, onipotente, tudo sabe e tudo vê.

Dai-nos a graça de participar da Vossa Divindade e gozarmos de Vossa presença.

Quão lindo é o caminho, Jesus Cristo, Nosso Senhor, que nos leva a Ti. Oh, Deus!

E quão belo é o Espírito Santo, nosso guia e Tua força. Oh, Altíssimo!

Glórias sejam dadas ao Pai.

Ao Filho Seu também.

Igualmente ao Espírito Paráclito,

Como era no princípio, agora e sempre.

Amém.



Terminemos este estudo com o maior doutor do período Patrístico, Santo Agostinho:

Ai (na Cidade de Deus) haverá a verdadeira glória; ninguém será levado então por engano ou bajulação; as verdadeiras honras não serão recusadas àqueles que as merecem, nem concedidas aos indignos; aliás, nenhum indigno terá tal pretensão, pois que só quem é digno será admitido. Ai reinará a verdadeira paz, onde ninguém será sujeito à adversidade nem de si mesmo nem dos outros. Da virtude o próprio Deus será a recompensa, Ele que deu a virtude e prometeu a Si mesmo como a recompensa melhor e maior que possa existir “Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (Levítico 26,12) [...] É também o sentido das palavras do apóstolo: “Para que Deus seja tudo em todos” (I Coríntios 15,12). Ele mesmo será o fim de nossos desejos, aquele que contemplaremos sem fim, amaremos sem saciedade, louvaremos sem cansaço. E esse dom, essa afeição, essa ocupação serão certamente como a vida eterna, comuns a todos. (A Cidade de Deus 22,30).

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Nova Eva

INTRODUÇÃO


Nos escritos do Novo Testamento, São Paulo explicitamente nos remete a Adão, em se tratando de Jesus Cristo (I Coríntios 15,21-22; Romanos 5,17), na perspectiva de que Jesus Cristo realiza uma nova criação através de sua morte e ressurreição. São Lucas, discípulo de São Paulo, também demonstra esta figuração uma vez que estende a genealogia de Jesus Cristo até Adão.

Desta nova criação participamos quando somos batizados, renascidos da água e do Espírito (São João 3,5). Por isso a Igreja Católica crê na eficiência do batismo, como sacramento de inserção do fiel ao corpo único de Cristo.

Como em Deus “não há mudança nem sombra de variação”(São Tiago, 1,17) e como Ele quis fornecer uma ajudadora, Eva, a Adão, quis também que Jesus Cristo tivesse (e tenha) uma ajudadora, Maria. Assim, desde o primeiro século, a Tradição e o Magistério da Igreja Católica entendem Maria como a nova Eva, a mãe dos viventes, gerados por Cristo.



SAGRADA TRADIÇÃO



A literatura dos Pais Apostólicos contém diversas passagens em que reconhecem e ensinam a verdadeira fé de que Maria é a nova Eva. Desta maneira, desde os primeiros escritos após a era Apostólica, a visão de Maria como a nova Eva é bem estabelecida.

Justino Mártir (100 – 165) nos mostra que Eva, a mãe dos viventes da velha economia, gerou a desobediência e a morte, Nossa Senhora, no entanto, concebeu fé e alegria.

Entendemos que [Jesus] se fez homem, por meio da virgem, a fim de que o caminho que deu origem à desobediência instigada pela serpente fosse também o caminho que destruísse a desobediência. Eva era virgem e incorrupta; concebendo a palavra da serpente, gerou a desobediência e a morte. A Virgem Maria, porém, concebeu fé e alegria quando o anjo Gabriel lhe anunciou a boa nova de que o Espírito do Senhor viria sobre ela; a força do Altíssimo a cobriria com sua sombra, de modo que o Santo que dela nasceria seria o Filho de Deus. Então respondeu ela: 'Faça-se em mim segundo a tua palavra'. Da Virgem, portanto, nasceu Jesus, de quem falam as Escrituras (...) aquele por quem Deus destrói a serpente (Diálogo com Trifão 100,4-5).


Santo Irineu de Lião (130 – 202), discípulo de Policarpo, que foi discípulo de São João, vai mais além, nos mostrando que a virgem Eva desobediente que foi, tornou-se, para os seres humanos, causa de morte. Maria, a virgem obediente e confiante, tornou-se causa de salvação para toda a humanidade:


Por conseguinte (...) encontra-se Maria, virgem obediente (...) Eva, ainda virgem, fez-se desobediente e tornou-se para si e para todo o gênero humano causa de morte. Maria, virgem obediente, tornou-se para si e para todo o gênero humano causa da salvação. A partir de Maria até Eva retoma-se o mesmo círculo. Não existe outro modo de desatar o nó a não ser fazendo com que os fios da corda onde se deu o nó percorram o sentido contrário (...) Eis porque Lucas inicia a genealogia de Jesus começando pelo Senhor indo até Adão [Luc. 3,23-38], evidenciando que o verdadeiro movimento da geração não procede dos antepassados até Cristo, mas vai de Cristo a eles segundo o Evangelho da Vida. Assim é que a desobediência de Eva foi resgatada pela obediência de Maria. Com efeito, o nó que a virgem Eva atou com a incredulidade, Maria o desatou com a fé. (Contra as Heresias 3,22,4).

Da mesma forma que aquela (Eva) foi seduzida para desobedecer a Deus, esta (Maria) foi persuadida a obedecer a Deus, por ser ela, a Virgem Maria, a advogada de Eva. Assim, o gênero humano, submetido à morte por uma virgem, foi dela libertado por uma Virgem, tornando-se contrabalanceada a desobediência de uma virgem pela obediência de outra". (Contra as Heresias 5,19).

(...) Era justo e necessário que Adão fosse restaurado em Cristo, a fim de que o mortal fosse absorvido e tragado pela imortalidade e Eva fosse reconstruída em Maria. Deste modo, uma Virgem feita advogada de uma virgem, cancelou e anulou a desobediência de uma virgem com a sua obediência de virgem. (Demonstração da Pregação Apostólica 33).


Epifânio de Salamina (? – 403) se inspira na Sagrada Escritura, especificamente em Romanos 5,17-21, para demonstrar a superabundância da graça de Maria:

Eva trouxe ao gênero humano uma causa de morte: por ela, a morte entrou no orbe da terra; Maria trouxe uma causa de vida e por ela a vida se estendeu a nós. Foi por isso que o Filho de Deus veio a este mundo: para que, onde abundou o delito, superabundasse a graça; onde a morte havia chegado, aí chegou a vida, para tomar seu lugar; e aquele mesmo que nasceu da mulher para ser nossa vida, haveria de expulsar a morte, introduzida pela mulher. Quando ainda virgem no paraíso, Eva desagradou a Deus por sua desobediência. Por isto mesmo emanou da Virgem [Maria] a obediência própria da graça, depois que se anunciou o advento do Verbo revestido de corpo, o advento da eterna Vida do céu. (Epifânio de Salamita em Panárion 78,18,1-3).


Vejamos o paralelo que existe entre este conceito de Epifânio e o teor destes versos de São Paulo.

Se pelo pecado de um só homem reinou a morte (por esse único homem), muito mais aqueles que receberam a abundância da graça e o dom da justiça reinarão na vida por um só, que é Jesus Cristo! Portanto, como pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens, assim por um único ato de justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida. Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justos. Sobreveio a lei para que abundasse o pecado. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. Assim como o pecado reinou para a morte, assim também a graça reinaria pela justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. (Romanos 5,17-21).


Nestas palavras vemos que São Paulo mostrava Jesus como defensor, advogado, de Adão, mas também Eva precisava de uma defensora, que a libertasse do jugo do acusador da humanidade. Somente Maria cumpre este papel de defender o gênero feminino da culpa inicial. Assim, onde abundou a desobediência, em Eva, superabundou a graça, em Maria. Afinal, ouçamos as palavras do arcanjo São Gabriel: “Ave, gratia plena”.

Santo Agostinho (354 – 430), um dos maiores doutores da Igreja, vê esta mesma necessidade de restauração da humanidade passando pelo seio de uma virgem:

Pelo sexo feminino caiu o homem e pelo sexo feminino encontrou o homem a sua reparação, pois uma Virgem deu à luz ao Cristo; e uma mulher anunciou a ressurreição! Pela mulher veio a morte; pela mulher chegou a vida! (Sermão 232,2).

Nossa primeira queda teve lugar quando a mulher de quem herdamos a morte concebeu, em seu coração, o veneno da serpente. A serpente, com efeito, a persuadiu a pecar e este mau conselho encontrou guarida em seus ouvidos. Se nossa primeira queda teve lugar quando a mulher concebeu em seu coração o veneno da serpente, não há de estranhar-nos que nossa saúde tenha sido restaurada quando outra mulher concebeu em seu seio a carne do Todo-Poderoso. Um e outro sexo tinham caído; um e outro tinham que ser restaurados. Por uma mulher fomos entregues à morte; por uma mulher nos foi devolvida a saúde. (Sermão 289,2).

Ora acontece aqui um grande mistério, pois, assim como por uma mulher a morte veio até nós, a vida vem a nascer para nós, por meio de uma mulher. De tal forma que, por uma e outra natureza, isto é, a feminina e a masculina, o demônio havia de ser vencido e atormentado. (O Combate Cristão 22,24)


Efrém da Síria (306 – 373) demonstra que Maria, além de ser a nova Eva, também é o canal, “jardim”, pelo qual desce do Pai a “a chuva de bênçãos”.

O anjo Gabriel foi enviado a Maria para preparar uma morada para o seu Senhor. Nela, a raça dos homens vis e insignificantes se uniu com a raça divina que está acima de todas as paixões (...)Pela prole de Maria, tem sido abençoada aquela mãe que foi amaldiçoada em seus filhos, trazendo bênçãos, as mais profundas, a esta mulher cuja prole destruiu a morte e a satanás. E no seio de Maria se fez criança Aquele que é igual do Pai desde a eternidade. Comunicou-nos Sua grandeza e assumiu nossa pequenez; conosco se fez mortal e nos infundiu Sua vida a fim de livrar-nos da morte (...) Maria é o jardim ao qual desceu do Pai a chuva de bênçãos. Esta aspersão chegou até o rosto de Adão e, assim, este recobrou a vida e se levantou do sepulcro, já que por seus inimigos tinha sido sepultado no Xeol. (Carmina Soguita 1).


Assim, muito dos pais da Igreja, aqueles responsáveis por guardar o tesouro apostólico, a sã doutrina da Igreja, captaram desde cedo a analogia entre Eva, nossa mãe na Economia do Pecado, e Maria, nossa mãe na Economia da Graça.



SANTO MAGISTÉRIO



O Magistério da Igreja, em consonância com a Tradição Apostólica, acompanha esta realidade, como podemos ver nos parágrafos 494 e 2618, do Catecismo Católico:

494 Ao anúncio de que, sem conhecer homem algum, ela conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo, Maria respondeu com a "obediência da fé", certa de que "nada é impossível a Deus": "Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" (São Lucas, 1:37-38). Assim, dando à Palavra de Deus o seu consentimento, Maria se tomou Mãe de Jesus e, abraçando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina de salvação, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra de seu Filho, para servir, na dependência dele e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção:

Como diz Santo Irineu, "obedecendo, se fez causa de salvação tanto para si como para todo o gênero humano". Do mesmo modo, não poucos antigos Padres dizem com ele: "O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou pela incredulidade a virgem Maria desligou pela fé”. Comparando Maria com Eva, chamam Maria de "mãe dos viventes" e com frequência afirmam: "Veio a morte por Eva e a vida por Maria”.

2618 O Evangelho nos revela como Maria ora e intercede na fé: em Caná, a mãe de Jesus pede a seu filho pelas necessidades de um banquete de núpcias, sinal de outro Banquete, o das núpcias do Cordeiro, que dá seu Corpo e Sangue a pedido da Igreja, sua Esposa. E é na hora da nova Aliança, ao pé da Cruz, que Maria é ouvida como a Mulher, a nova Eva, a verdadeira "mãe dos vivos”.


Também os Papas Paulo VI e João Paulo II, munidos do cajado de São Pedro, pastoreando o rebanho de Cristo, o Bom Pastor, nos falam de Maria e a contemplam como a nova Eva:

Se, pois contemplarmos a humilde Virgem de Nazaré na auréola das suas prerrogativas e das suas virtudes, vê-la-emos refulgir ao nosso olhar como a Nova Eva, a excelsa Filha de Sião, o vértice do Antigo Testamento e a aurora do Novo, na qual se realizou a “plenitude do tempo” (Gal 4,4 [...].”(SS. Paulo VI, in Signum Magnum, 10)

[...] Relativamente a Maria, por sua vez, é celebrada (a Anunciação do Senhor) como festa da nova Eva, virgem obediente e fiel, que, com o seu "fiat" generoso (cf. Lc 1,38), se torna, por obra do Espírito Santo, Mãe de Deus, mas ao mesmo tempo também, Mãe dos viventes, e, ao acolher no seu seio o único Mediador (cf.1Tm 2,5), verdadeira Arca da Aliança e verdadeiro Templo de Deus; ademais, em memória de um momento culminante do diálogo de salvação entre Deus e o homem, e em comemoração do livre consentimento da Santíssima Virgem e do seu concurso no plano da Redenção. [...] (SS. Paulo VI, in Marialis Cultus)

À luz desta comparação com Eva, os mesmos Padres - como recorda ainda o Concílio (Vaticano II) - chamam a Maria "mãe dos vivos" e afirmam muitas vezes: "A morte veio por Eva, a vida por meio de Maria" [...]. (SS. João Paulo II, in Redemptoris Mater 19)

[...] Contra a "suspeita" que o "pai da mentira" fez nascer no coração de Eva, a primeira mulher, Maria, a quem a tradição costuma chamar "nova Eva" e verdadeira "mãe dos vivos", proclama com vigor a não ofuscada verdade acerca de Deus: o Deus santo e omnipotente, que desde o princípio é a fonte de todas as dádivas, aquele que "fez grandes coisas" nela, Maria, assim como em todo o universo. [...]” (SS. João Paulo II, in Redemptoris Mater 37)



SAGRADA ESCRITURA



Vimos, de maneira sucinta, o agir de Deus através da Tradição Apostólica e do Sagrado Magistério demonstrando que Eva foi tipo de Maria, assim como Adão foi tipo de Jesus. Esta tipificação de Maria, como a nova Eva, é motivo de grande alegria para todo cristão.

O objetivo do presente artigo é elencar, da Sagrada Escritura, os pontos em que os escritores sagrados, inspirados pelo Espírito Santo, já nos mostravam como Maria se fazia a nova Eva, sendo a nova mãe dos viventes, dos gerados por Cristo Jesus. Rogamos ao Deus Todo Poderoso nos permitir cumprir esta empreitada, uma vez que “a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da Palavra de Deus” e que “a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo desígnio de Deus, de maneira se unem e se associam que um sem os outros não se mantém, e todos juntos, cada um a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas. ”.



Mulher



O primeiro ponto a ser enfocado, ou a primeira pista de que Maria é a nova Eva, símbolo da nova Igreja que estava nascendo, é a forma como os Evangelhos se referem à Maria.

Vemos pelo Evangelho de São Lucas que Maria e José foram pais preocupados e que Jesus lhes era submisso, enquanto não iniciava seu ministério aqui na Terra, contudo podemos citar duas passagens em que Maria é chamada simplesmente de mulher por Jesus:

Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. (São João 2,4).

Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa. São João 19,26-27.


Este tratamento um pouco rústico, à primeira vista, de um filho para com sua mãe, nos revela uma intenção subjacente de Jesus: mostrar-nos um dos títulos como sua mãe deveria ser lembrada, pois encontramos paralelo deste tratamento, em Gênesis, quando Deus trata Eva por mulher:

Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu ferirás o calcanhar. (Gênesis 3,15).


É o Deus-Filho chamando Maria por mulher, da mesma maneira como Deus-Pai se dirigira a Eva.



A queda da humanidade e o primeiro milagre de Jesus



Podemos ver Maria como nova Eva, ao nos atentarmos para o paralelismo entre o relato da queda da humanidade e o primeiro milagre de Jesus.

Segue o relato da queda de Adão e, por conseguinte de toda a humanidade:

A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha formado. Ela disse a mulher: É verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?” A mulher respondeu-lhe: Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Vós não comereis dele, nem o tocareis, para que não morrais.” “Oh, não! – tornou a serpente – vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal.” A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente. Então os seus olhos abriram-se; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira, ligaram-nas e fizeram cinturas para si. E eis que ouviram o barulho (dos passos) do Senhor Deus que passeava no jardim, à hora da brisa da tarde. O homem e sua mulher esconderam-se da face do Senhor Deus, no meio das árvores do jardim. Mas o Senhor Deus chamou o homem, e disse-lhe: “Onde estás?” E ele respondeu: “Ouvi o barulho dos vossos passos no jardim; tive medo, porque estou nu; e ocultei-me.” O Senhor Deus disse: “Quem te revelou que estavas nu? Terias tu porventura comido do fruto da árvore que eu te havia proibido de comer?” O homem respondeu: “A mulher que pusestes ao meu lado apresentou-me deste fruto, e eu comi.” O Senhor Deus disse à mulher: Porque fizeste isso?” “A serpente enganou-me,– respondeu ela – e eu comi.” Então o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais e feras dos campos; andarás de rastos sobre o teu ventre e comerás o pó todos os dias de tua vida. Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu ferirás o calcanhar.” Disse também à mulher: Multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com dores, teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu domínio.” E disse em seguida ao homem: “Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar.” (Gênesis 3,1-19)


Podemos entender do texto, que Eva, a primeira mulher, sob influência de satanás, deu a fruta da árvore a Adão, levando ao chamado Pecado Original, o qual todos estamos antes de sermos considerados da família de Jesus, ou seja, filhos de Deus pelo batismo.

Em paralelo, o novo Adão precisou encarnar para redimir o primeiro Adão. A queda da humanidade foi, então, provocada pelo rompimento de uma lei, esta lei, pedagoga do pecado foi se desenvolvendo até Jesus. Era necessário que a salvação viesse pela graça.

Do mesmo modo que o entendimento do pecado foi se desenvolvendo, a construção ministerial de Jesus, para abundar a graça, foi sendo mostrada primeiramente pelos sinais que operava, mediante seus milagres.

Quis o bom Deus que o novo Adão fosse levado a operar o primeiro sinal mediante a nova Eva. Isto fica premente pela passagem das bodas de Caná:


Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galiléia, e achava-se ali a mãe de Jesus. Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser. Ora, achavam-se ali seis talhas de pedra para as purificações dos judeus, que continham cada qual duas ou três medidas. Jesus ordena-lhes: Enchei as talhas de água. Eles encheram-nas até em cima. Tirai agora , disse-lhes Jesus, e levai ao chefe dos serventes. E levaram. Logo que o chefe dos serventes provou da água tornada vinho, não sabendo de onde era (se bem que o soubessem os serventes, pois tinham tirado a água), chamou o noivo e disse-lhe: É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora. Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galiléia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. Depois disso, desceu para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ali só demoraram poucos dias. (São João 2,1-12).


O paralelismo entre este episódio e a queda da humanidade é notável, pois no livro do Gênesis existem três personagens, o homem (Adão), a mulher (Eva) e a serpente (Satanás), assim como nas bodas de Caná estão Jesus, Maria e as pessoas da festa – formando um indivíduo coletivo.

Os convidados da festa vieram falar com Maria, apelando para sua infinita caridade, pois não tinham mais vinho, assim como satanás foi falar com Eva, atentando para o fato de pedirem um milagre, enquanto a serpente pedia um pecado; pediram a intercessão de Maria, pois não tinham mais vinho que simboliza a alegria, e mais tarde, a Nova Aliança, ou seja, estavam afastados de Deus. Intrinsecamente, sabiam que o rei (Jesus) não recusaria um pedido da rainha-mãe (Maria), cf.: I Reis, 2,17-20.

Maria então solicita a Jesus fornecer aos convidados vinho, assim como Eva ofereceu a Adão a fruta e o fez entrar em pecado, Maria oferece a Jesus uma oportunidade de realizar o primeiro sinal para que cressem, e participassem da graça.

Além disso, ao falar com sua mãe, Nosso Senhor se utiliza do substantivo mulher, para nos remeter ao simbolismo da queda da humanidade

Maria então demonstra como conseguir esta nova aliança: fazendo a vontade de Jesus. E os convidados daquela festa por terem feito o que Jesus ordenou e como Maria ensinou, alcançaram o vinho, a Nova Aliança, e ainda depois disso, viram que o novo vinho era melhor que o primeiro, conforme predissera Jeremias (Jeremias 31,31).


Após o oferecimento da bebida, foi Jesus batizado e começou seu ministério público, passando então a abrir a “boca a favor do mundo, pela causa de todos os abandonados” e passou a “pronunciar sentenças justas” e fazer “justiça ao aflito e ao indigente.”, conforme Lhe aconselhara sua mãe, cumprindo o conselho dado pela rainha-mãe ao rei Lamuel, em Provérvios:

Dai a bebida forte àquele que desfalece e o vinho àquele que tem amargura no coração: que ele beba e esquecerá sua miséria e já não se lembrará de suas mágoas. Abre tua boca a favor do mundo, pela causa de todos os abandonados; abre tua boca para pronunciar sentenças justas, faze justiça ao aflito e ao indigente.(Provérbios 31,6-9)

Ajudadora


Quando Deus criou Eva, a primeira mulher, a quis por ajudadora de Adão (Gênesis, 2:18), do mesmo modo ao criar Maria, a quis por ajudadora de Jesus.

Esta certeza de que Maria é a ajudadora de Nosso Senhor, decorre imediatamente do papel que ela exerceu durante a vida de Jesus, ela está presente no nascimento do Emanuel, no primeiro milagre, em suas pregações e debates no Templo, no sacrifício do Calvário e no Pentecostes cristão, no qual nasceu a Igreja.

Portanto, ela O ajudou a cumprir a lei dos judeus a qual Jesus estava submetido, ao circuncidá-lo, ao apresentá-lo no Templo, ao levá-lo às festas judaicas, para aprender e ensinar na Sinagoga, a fornecer vinho novo.

Assim, ela mais fortemente cumpre seu papel de ajudadora, principalmente, quando das bodas de Caná ao suplicar a seu filho que dê o novo vinho, melhor do que o primeiro, a dar a Nova Aliança, primeiramente aos convidados daquela festa e depois a todos nós que nos tornamos irmãos em Cristo Jesus.

Assim, vemos que Eva foi a ajudadora de Adão no pecado, enquanto Maria é a ajudadora de Jesus, o Messias, o Cristo, na graça.


Maternidade


Finalmente, a maternidade de Eva se completa com a maternidade de Maria.

No livro do Gênesis, lemos que Adão deu o nome de Eva, à mulher, pois ela seria a mãe dos viventes (Gênesis 3,20). O nome Eva, em hebraico Havvah, oriunda da raiz hayah, quer dizer viver. Assim, Eva se tornou a mãe de todos os viventes, ou seja, de nós seres humanos.

Podemos encontrar este traço da maternidade de Eva em Maria, na narrativa da cena do Calvário. Cristo dá por consumado o seu ato de sacrifício pela humanidade ao entregar sua mãe aos cuidados do discípulo que amava:

Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa. Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir plenamente a Escritura, disse: Tenho sede. São João 19,26-28.


O momento de encerramento do ato de redenção da humanidade, ou seja, da instituição de Jesus como novo Adão, acontece quando Jesus vela pelo destino de sua mãe, ao entregá-la ao apóstolo São João, discípulo que amava e uma das colunas da Igreja (Galátas 2,9), neste momento São João era o símbolo da Igreja que Jesus ama. Por extensão, Jesus nos exorta que recebamos Maria por nossa mãe, afim de que sejamos discípulos amados e possamos reclinar sobre o peito de Jesus.

São João, com a narração das bodas de Caná e da cena no calvário, quer demonstrar a plenitude da maternidade divina de Maria, ou seja, que ela não somente é mãe de Jesus, o Cabeça da Igreja, mas também de todos os membros do Corpo, ou seja, mãe da Igreja.


CONCLUSÃO


Como sabemos pela Sagrada Escritura, o Velho Testamento é uma figuração imperfeita do que viria, uma sombra do Novo Testamento (Hebreus 10,1). Da mesma maneira, a Nova Eva é maior que a antiga, que a Eva da Velha Aliança, da Velha Economia.

Assim, a Eva tendo sido criada sem a mancha do pecado original, muito mais Maria, a nova Eva, foi agraciada pelo Altíssimo de ser livre de toda a mancha desta herança. Deste modo, o fato de Maria ser a nova Eva, uma vez que a Palavra de Deus nos fala isso, prova de maneira sublime o dogma da Imaculada Conceição proclamado na bula Ineffabilis Deus pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854.

28.Por conseqüência, para demonstrar a inocência e a justiça original da Mãe de Deus, eles (Pais da Igreja) não somente a compararam muitíssimas vezes a Eva ainda virgem, ainda inocente, ainda incorrupta e ainda não enganada pelas mortais insídias da serpente mentirosa, como também a antepuseram a ela com uma maravilhosa variedade de palavras e de expressões. De fato, Eva escutou infelizmente a serpente, e decaiu da inocência original, e tornou-se escrava da serpente; ao contrário, a beatíssima Virgem aumentou continuamente o dom tido na sua origem, e, bem longe de prestar ouvido à serpente, com o divino auxílio quebrou-lhe completamente a violência e o poder. (SS. Pio IX, in Ineffabilis Deus, 1854)


Esta maravilhosa verdade, dogma de fé, dos católicos romanos, expressa a dignidade ímpar de Nossa Senhora, maior criatura de Deus, contudo não por mérito dela e sim por méritos de seu filho, Nosso Senhor e único Salvador Jesus Cristo. Conforme nos mostra Santo Agostinho :

Nem se deve tocar na palavra pecado em se tratando de Maria; e isto em respeito Àquele de quem mereceu ser a mãe, que a preservou do todo pecado por sua graça. (Sermão 215,3)

Por isso, a Igreja Católica, mesmo crendo que em Maria não há pecado, reconhece que ela também foi salva por Jesus. O que se coaduna com as Sagradas Escrituras, uma vez que cheia do Espírito Santo, Maria, no seu Magnificat, declara “meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador” (São Lucas, 1:47)

É importante notar que esta dignidade não está somente em ela ter concebido o nosso Salvador, Jesus, e sim por ela ter acreditado na Palavra de Deus, conforme as palavras de Santa Isabel e nas próprias palavras do Nosso Senhor Jesus Cristo:

Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!. (São Lucas 1,45)

Enquanto ele assim falava, uma mulher levantou a voz do meio do povo e lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram! Mas Jesus replicou: Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam!. (São Lucas 11,27-28).

Santo Agostinho se pronuncia de maneira magistral, para nos indicar sobre como devemos entender a dignidade de Maria:

De nada teria servido a Maria a intimidade da maternidade corporal se não tivesse, primeiro, concebido a Cristo de maneira mais feliz em seu coração; e só depois em seu corpo. (Sermão 215)

Palavras também expressas no parágrafo 968, do Catecismo Católico:

968 Mas seu papel [Maria] em relação à Igreja e a toda a humanidade vai ainda mais longe. "De modo inteiramente singular, pela obediência, fé, esperança e ardente caridade, ela cooperou na obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por este motivo ela se tornou para nós mãe na ordem da graça."


A analogia entre Maria e Eva pode causar espanto em cristãos de outras confissões, mas a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério da Igreja Católica são claros em contextualizar o simbolismo.

São Tomás de Aquino, o doutor angélico, ao comentar sobre a saudação do arcanjo Gabriel a Maria, demonstra claramente o caráter desta comparação:

Portanto, Eva não pôde achar em seu fruto o que também nenhum pecador achará em seu pecado. Acharemos, no entanto, tudo o que desejamos no fruto da Virgem. Busquemo-lo. Assim, pois, a Virgem é bendita, porém, bem mais ainda, é o seu fruto.

Deste modo, mais do que Maria devemos buscar a seu fruto, ou seja, Jesus.

Com toda a clareza, devemos buscar o fruto do ventre de Maria, Nosso Senhor Jesus Cristo, mas não podemos esquecer-nos dos mandamentos de Deus, nos dados através do Novo Testamento: proclamar Maria como bem aventurada e a acolhermos como mãe, para sermos discípulos amados.

Ainda de acordo com a Sagrada Escritura, Jesus é o novo Adão, o Adão espiritual, e Deus nos fala que “(...) não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada” (Gênesis 2,18). Esta ajuda foi concretizada com a criação da nova Eva, Maria, a ajudadora de Jesus.

Por fim, devemos crer nas Santas Palavras do Catecismo Católico, parágrafos 970 e 975:


970 "A missão materna de Maria em favor dos homens de modo algum obscurece nem diminui a mediação única de Cristo; pelo contrário, até ostenta sua potência, pois todo o salutar influxo da bem-aventurada Virgem (...) deriva dos superabundantes méritos de Cristo, estriba-se em sua mediação, dela depende inteiramente e dela aufere toda a sua força." Com efeito, nenhuma criatura jamais pode ser equiparada ao Verbo encarnado e Redentor. Mas, da mesma forma que o sacerdócio de Cristo é participado de vários modos, seja pelos ministros, seja pelo povo fiel, e da mesma forma que a indivisa bondade de Deus é realmente difundida nas criaturas de modos diversos, assim também a única mediação do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas uma variegada cooperação que participa de uma única fonte.

975 Cremos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no Céu sua junção materna em relação aos membros de Cristo.

domingo, 12 de setembro de 2010

SANTA CEIA DO SENHOR

Na Eucaristia,

A comunhão.

Com alegria,

Partir o pão.



Quem come d’Ele,

Já não morre,

Com Seu próprio sangue,

Ele nos socorre.



Na ceia do Senhor,

A grande luz,

Com muito amor,

O corpo de Jesus.



Banhados com o teu sangue,

Somos filhos teus

Verdadeira bebida,

Cordeiro de Deus.



Ele é o nosso pão,

Ele é a nossa comida,

Salvação,

O caminho, a verdade e a vida.



Isto é o meu corpo,

Disse o Senhor Jesus,

Estrela da manhã,

Que nos conduz.



Quem não distingue o corpo,

Não aceitou,

Que pelo poder do Santo Espírito,

O pão se transformou.



Nem só de pão viverá o homem,

Mas da Palavra da verdade,

Do vinho ao sangue,

A realidade.



A Ele a honra, a Ele a glória,

A Ele meu coração,

Na Santa Ceia,

A adoração.

sábado, 27 de março de 2010

A INFÂNCIA DE JESUS

- Oi, meus anjinhos, como vocês estão? (Joana)

- Tia, eu não tô bem não, tia. (Pedro)

- O que foi Pedrinho? Aconteceu alguma coisa com sua mamãe? (Joana)

- Tia, a minha mãe tá dormindo lá nos hospital. Ela não consegue mais falar comigo. Eu tô muito triste, minha avó que me trouxe hoje, meu pai tá lá no médico. (Pedro)

- Meu amor, deixa a tia te falar uma coisa. Lembra disso tá bom, Jesus sabe o que é bom para todo mundo. Ele fez sua mamãe descansar um pouquinho, porque ele tava muito cansada. Tem vezes que Jesus quer levar nossa mamãe lá para o céu, porque ele precisa de pessoas boas para virarem anjinhos para nos ajudar, tá bem. Confia no Senhor, tá bem. Mas eu quero que você ore muito por ela tá bem para que ela fique bem, tá? (Joana)

- Tá bem, Tia. Eu acho que eu estou me sentindo melhor. (Pedro)

- Pedrinho, ano passado o meu papai ficou muito doente, ai eu rezei muito para o Papai do Céu ajudar ele e ele ficou bom. (Rafaela)

- Pessoal, vamos rezar pela mamãe do Pedrinho e eu quero pedir que vocês sempre rezem por ela, todos os dias, tá? (Joana)

- Tá bem, tia! (Crianças)

- Vamos lá! Meu Senhor...Meu Pai...Meu grande amigão Jesus...Quero agradecer por mais um dia...mais uma manhã...peço, Senhor, que...o dia de hoje seja uma benção...ajude a mamãe do Pedrinho...a ficar boa...Amém. (Todos)

- Meus amores vamos cantar uma música, para começar a aula, uma música para a mamãe do Pedrinho. (Joana)



Nunca houve noite que pudesse impedir

O nascer do sol e a esperança

E não há problema que possa impedir

As mãos de Jesus prá me ajudar



Haverá um milagre dentro de mim

Vem descendo um rio prá me dar a vida

Este rio que emana lá da cruz, do lado de Jesus



Aquilo que parecia impossível

Aquilo que parecia não ter saída

Aquilo que parecia ser minha morte

Mas Jesus mudou minha sorte

Sou um milagre e estou aqui

Usa-me, sou o teu milagre



Usa-me, eu quero te servir

Usa-me, sou a tua imagem

Usa-me, ó filho de Davi



Aquilo que parecia impossível

Aquilo que parecia não ter saída

Aquilo que parecia ser minha morte

Mas Jesus mudou minha sorte

Sou um milagre, e estou aqui



- Bem, amiguinhos vocês lembram da aula da semana passada, Jesus nasceu e Maria e José levaram Ele para outro país, para fugir do rei malvado. (Joana)

- Depois de algum tempo do nascimento de Jesus, os pais dele foram para a Casa de Deus para mostrar ele para os amigos e para agradecerem a Deus. Lá estava um senhor chamado Simeão, que era um homem muito bom e que gostava muito de Deus e Deus gostava muito dele. Simeão quando viu Jesus ficou muito contente e pegou Ele no colo e começou a falar com Deus e agradecer por poder ver Jesus. Mas, crianças ele disse uma coisa muito triste para Maria...(Joana)

- O que foi tia? (Letícia)

- Conta tia, eu tô ficando nervosa. (Patrícia)

- Amores, ele disse assim para Maria:

- Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada transpassará a tua alma. (Simeão)

- Ah! Tia que triste. (Gabriel)

- Imagina só como Maria deve ter ficado triste. Acabava de nascer o filho dela, que um anjo tinha avisado, dizendo que ele seria um grande rei e que seu reino não teria fim, agora vem este senhor tão bonzinho e diz que uma espada irá matar Jesus...Depois de tudo isso e de algum tempo, a família de Jesus voltou para Nazaré, pois o rei malvado tinha morrido. (Joana)

- Ah! Que bom né tia. (Gabriel)

- Bielzinho, o rei era muito, muito malvado, mas nós não podemos gostar que as pessoas morram, nós devemos orar para elas ficarem boas, porque o Papai do Céu não gosta da maldade, né pessoal. (Joana)

- É mesmo tia, desculpe. (Gabriel)

- Tá bem, meu amor. Vamos orar: (Joana)

- Meu Deus,... Te pedimos Senhor... que todos as pessoas... sejam boas... e que nunca façam nenhum mal...com ninguém. Amém. (Todos)

- Mas, Jesus era igual a vocês, pequeninho, Maria brincava com Ele, esnsinava a falar, a andar...(Joana)

- A andar de bicicleta. (Pedro)

- Ah! Pedrinho, naquele tempo não tinha bicicleta não. Mas, Maria ensinava Ele de tudo que nossas mamães ensinam para gente. (Joana)

- Minha mãe me ensinou a andar de patins, tia. Eu fui lá no shopping com ela. Eu cai umas dez vezes...(Rafaela)

- Ih, você não sabe de nada, eu já ando de patinhs há um tempão, nem caio mais. (Patrícia)

- Calma, meninas! Eu também adorava andar de patins com minha mãe e com meu pai. Mas, no tempo de Jesus não tinha patins também não. Quando Jesus já tinha doze anos, José e Maria levaram Ele para Jerusalém, a maior cidade perto de onde eles moravam. É como se ele saísse aqui de Jacarepaguá e fosse lá para o centro da cidade. Alguém já foi lá no centro? (Joana)

- Eu já fui, tia! (Gabriel)

- Eu também! (Thiago)

- Lá é muito legal, né, pessoal! Tem de tudo, mas também tem muita gente, gente pra chuchu. (Joana)

- Tia, a minha mãe apertava muito a minha mão, porque ela falou que não queria que eu me perdesse. (Thiago)

- É mesmo, quando eu levo os meus sobrinhos lá, eu também fico muito preocupada. Aconteceu que Maria e José se perderam de Jesus e ficaram muito preocupadas, e sairam a perguntar onde estava Jesus. Depois de um tempo, encontram Jesus na Igreja, conversando com adultos e todas as pessoas ficavam admiradas de como Jesus era inteligente e sabia das coisas de Deus. Maria ficou muito triste e perguntou para Jesus:

- Meu filho, que nos fizeste?! Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição. (Joana)

- Jesus, com toda calma, respondeu assim:

- Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai? (Jesus)

- Viram Jesus foi para o lugar que os pais deles deveriam ter ido procurar e Ele ficou esperando até os seus pais virem buscá-lo. Maria continuava guardando tudo em seu coração e ficava pensando nas coisas que seu filho fazia. (Joana)

- Tia, eu cresci bastante. (Rafaela)

- É mesmo Rafinha você tá maior que o Pedrinho. (Joana)

- É, mas ela é mais velha que eu. Eu só tenho 7 anos, a Rafinha já tem 8. (Pedro)

- Amores, todos vocês, com a graça de Deus, vão crescer muito e ficarem do meu tamanho. (Joana)

- Eu não, eu quero ficar do tamanho do meu pai, ele é gigante. Você é muito baixinha, tia. (Gabriel)

- Obrigada, Bielzinho. Se Deus quiser você ficará mais alto que o seu pai. Vamos orar, amiguinhos. (Joana)

- Deus...queremos Te pedir...que sempre proteja agente...de nos perdermos da mamãe e do papai...e que nada...de ruim aconteça para nós. (Todos)

- Jesus, assim como vocês, continuava a crescer tanto em tamanho, como no amor de Deus. Ele sempre orava para Deus, ajudava seus pais, ele até aprendeu a profissão do pai dele. Alguém lembra qual a profissão de José?

- Era carpinteiro. (Letícia)

- Muito bem, Lê. Ele era carpinteiro. Jesus aprendeu a ser carpinteiro, também. (Joana)

- Tia, quando eu crescer quero ser igual ao meu papai. (Rafaela)

- Que bom, Rafinha. Qual a profissão do seu papai? (Joana)

- Ele é jornalista. Ele escreve para muitos jornais. (Rafaela)

- É mesmo, Rafinha. Ele escreve para o jornal aqui da igreja, sabia? (Joana)

- Eu sabia, tia. (Rafaela)

- Bem, meus amores, hoje a aula terminou, eu quero que vocês sigam o exemplo de Jesus e sempre façam o que seus pais mandarem, tá bom? Meus amores, vamos orar: (Joana)

- Deus Todo-Poderoso,... muito obrigado pela aula de hoje,... queremos te pedir Deus... para ir para casa em segurança..., que nada de ruim nos aconteça. Amém. (Todos)

- Pedrinho, quer falar alguma coisa, amor. (Joana)

- Eu quero, tia! (Pedro)

- Pode falar, meu amor! (Joana)

- Deus, por favor, salve a minha mamãe. Eu não gosto de ver meu papai chorando. (Pedro)

- Ore, sempre para o Papai do Céu ajudar seu papai também, tá Pedrinho. (Joana)

Nesta hora a vovó do Pedro, que é mãe da mamãe dele, chegou e ouviu o pedido do netinho e não se conteve e começou a chorar. Joana, chamou-a para o canto e foi conversar com ela.

- Dona Margarida, não chore, por favor. Vai ficar tudo bem. A senhora não confia em Deus? (Joana)

- Confio muito, minha filha, e sei que ele vai fazer o que for melhor para minha filha Ana, não para mim, não para o Carlos, mas é muito triste ver nosso filho sofrendo sem poder fazer nada. Hoje eu percebo o quanto foi difícil para Maria estar presente na crucificação do próprio filho, por mais que você saiba que Deus está fazendo o melhor, você sempre fica triste. (Margarida)

- É verdade, meu amor! Mas, Deus está no controle. Ore muito para Ele. (Joana)

Voltando para a sala, Joana se despediu das crianças:

- Amores, vão em paz e que o nosso Senhor Jesus acompanhe a todos vocês. (Joana)